Nova York ignora Tolerância Zero e volta a fumar em bares

Polícia diz que não vale a pena mobilizar efetivo e não fiscaliza; proibição ameaça cair em desuso, e multa de US$ 100 por cigarro quase nunca é aplicada

VINÍCIUS QUEIROZ GALVÃO
DE NOVA YORK

Daniela Cicarelli e o namorado, Tato Malzoni, poderiam ter pago US$ 1.000 (ou R$ 2.200), cada um, e passado três meses na cadeia, separados, se tivessem sido flagrados no lago do Central Park ou em qualquer praia de Long Island.
A política de Tolerância Zero do ex-prefeito republicano Rudolph Giuliani instituiu multas de até US$ 10 mil (R$ 22 mil) para infrações e crimes banalizados no Brasil (e na Espanha). O de Cicarelli e Tato, segundo a lei: "lascívia pública", sem direito à fiança.
Mas o exemplo de Manhattan mais copiado por outras cidades, a proibição do fumo em ambientes coletivos, começa a entrar em descrédito. Nova York ignora a lei e volta a fumar em bares e boates. A rigor, a violação renderia US$ 100 (R$ 220) de multa por cigarro aceso, sem prisão.
A Folha percorreu alguns bares e boates ao longo da semana e entrevistou fumantes. A justificativa de todos para infringir a proibição: a falta de fiscalização e a tolerância dos donos dos locais.
"Fumo porque pode. Ninguém nunca me chamou a atenção. Ainda mais com o frio, não vou sair debaixo de neve para acender um cigarro. Dois tragos e pronto, ninguém nem percebe que fumei", diz o arquiteto David Greig, 29, dois maços por dia.
A versão da NYPD, a polícia da cidade: não compensa mobilizar uma equipe para aplicar uma única multa de US$ 100.
"Não dá para enviar só um policial. São no mínimo três ou quatro, que poderiam evitar um crime de maior potencial ofensivo. Sempre que um efetivo vai a um flagrante de fumo, só uma multa é aplicada. Os outros fumantes, ao verem a abordagem, apagam o cigarro. E aí não podemos provar se ele de fato fumou", afirma o porta-voz Ray Rawlings.

Disque-denúncia
Segundo a prefeitura, a maioria das violações ocorre em bares de freqüência jovem, de bairros como East Village, Meatpacking District, Hell's Kitchen e Chelsea. Em restaurantes, a proibição ao fumo ainda é respeitada.
O serviço 311 (espécie de disque-denúncia) recebe cerca de mil ligações mensais com relatos de descumprimento da medida. Menos de cem multas são aplicadas no mesmo período.
Mesmo caindo em desuso em Nova York, o modelo de restrição do fumo ainda é copiado por outras cidades. Paris e Washington adotam a medida a partir do próximo ano. Depois de aprovadas, as leis locais passam por um período para adaptação dos fumantes. Na Europa, Irlanda, Itália, Suécia, Reino Unido, Noruega e Espanha adotaram leis antitabagistas desde 2004.

Cigarros "light"
Nos EUA, uma ação coletiva contra fabricantes pede indenização de US$ 200 bilhões (R$ 432 bilhões, cerca de um terço do PIB do Brasil) por propaganda enganosa na venda de cigarros "light", que supostamente não teriam teores reduzidos de alcatrão e nicotina.

Folha de São Paulo, em 03/12/06