Especialista sueco analisa dificuldade em deixar o cigarro

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Antes de começar a se culpar por não ter conseguido parar de fumar em 2005, leia o que diz o psicólogo sueco Karl Fagerström, 59, especialista no assunto e considerado referência mundial no tratamento do tabagismo.
"É muito bom que os fumantes entendam que quando tentam parar e falham não é um problema de força de vontade, de caráter. Pode significar apenas que desenvolveram uma dependência física, o cérebro pede nicotina para funcionar adequadamente."
O especialista, autor de um teste consagrado para a medição do grau de dependência de nicotina, argumenta que o cigarro causa mais dependência do que outras drogas, como o álcool, e é tão difícil de largar quanto a heroína, por exemplo.
Na semana passada, Fagerström esteve no Rio de Janeiro para participar de um simpósio internacional sobre compulsão, dependência e impulsividade.
E deixou a dica: parar de fumar envolve um processo de reconhecimento do "inimigo", de seus atrativos e poderes, para saber como atacar.
As despesas do psicólogo durante a viagem foram pagas por um grande laboratório farmacêutico produtor de drogas contra o tabagismo, a Pfizer -a assessoria de imprensa da empresa intermediou a entrevista. Leia a seguir trechos da conversa.

Folha - Todas as pessoas que fumam são "viciadas"?
Karl Fagerström - Nem todo mundo que fuma pode ser considerado dependente no sentido médico dessa palavra. Para isso, é preciso exibir determinadas características, como dificuldades para deixar o fumo, para controlar a quantidade, ter sintomas de abstinência. As pessoas que fumam apenas um cigarro por dia ou que não fumam todos os dias podem ser comparadas com as que tomam café e chá todos os dias. Não somos dependentes no sentido médico da palavra, mas precisamos do café. Claro que sentirão dificuldades para não fumar, mas, se eles realmente se decidem, geralmente conseguem cortar o fumo sem problemas. Isso não é a dependência de uma droga, é um hábito muito forte.
Mas muitos são dependentes, o que tem ramificações físicas, porque isso modifica a estrutura do cérebro, aumenta sua tolerância -pode-se usar mais e mais a droga sem ter efeitos colaterais.

Folha - Em qualquer um dos casos há danos? Se a pessoa fuma menos, sofre menos danos?
Fagerström - Sim, absolutamente. O dano em termos de risco para câncer, doenças respiratórias e cardiovasculares depende do quanto se fuma. E também a dependência física depende da quantidade de nicotina.

Folha - Mas talvez seja diferente a reação, de pessoa para pessoa, segundo a quantidade de fumo ...
Fagerström - De certa forma sim, porque depende da forma como se fumam os cigarros. Quem não inala tem menos danos do que outros que fumam efetivamente. Eles retiram em três cigarros o que outros conseguiriam em dez cigarros.

Folha - Por que é tão difícil deixar o cigarro?
Fagerström - Você pode dizer que a maior parte de nós pode controlar o álcool, há apenas alguns que são dependentes. Mas, para o tabaco, há apenas alguns que conseguem usá-lo de uma forma controlada. A maioria torna-se usuária diária. Nesse contexto, a dependência pega a maior parte dos usuários. E é tão difícil deixar o cigarro quanto deixar o álcool e a heroína.

Folha - O tabagismo tem conexão com nosso modo de vida estressante, em que estamos ansiosos. A nicotina acaba ajudando a cortar essa ansiedade?
Fagerström - Eu realmente penso que sim. Há muitos fumantes que realmente não têm muitos sintomas de abstinência. Mas eles acham que quando deixam o cigarro não funcionam tão bem quanto gostariam. Para superar o estresse, a nicotina acaba ajudando um pouco.

Folha - Mas é muito difícil quebrar esse ciclo ansiedade-nicotina.
Fagerström - Eu penso que temos de entender que a nicotina tornou-se a segunda droga mais usada no mundo -a cafeína é a primeira- e que para isso ela deve ter alguma coisa positiva. Uma das coisas é que ajuda na concentração, especialmente em situações de estresse, e talvez tenha até a ver um pouco com criatividade.

Folha - Mas os custos são altos.
Fagerström - É claro, não estou dizendo para as pessoas fumarem. Mas é muito bom que os fumantes entendam que quando tentam parar e falham, isso não é um problema de força de vontade, de caráter. Pode significar apenas que desenvolveram uma dependência física, o cérebro pede nicotina para funcionar adequadamente.

Folha - Nesses casos, é mais difícil parar sozinho?
Fagerström - Muitos fumantes podem parar sozinhos e eles o fazem, mesmo os bastante dependentes. Há coisas na vida que fazem você ficar realmente forte e decidido. Mas, se você você não tem essa determinação e suporte, o tratamento pode ser melhor. Há algumas pessoas que não planejam dez anos à frente, dizem: "Não ligo se tiver câncer de pulmão, minha vida é tão miserável que tenho que sobreviver este dia". Podemos fazer ser mais fácil deixar o cigarro, com tratamentos, então talvez eles considerem parar completamente.

Fonte: Folha de São Paulo em 07-11-2005.