Edição mais recente
> acessar versão PDF
GERAL O ESTADO DE S.PAULO
Terça-feira, 13 de janeiro de 2004

Fabricante anuncia contra cigarro. Não convence
Campanha publicitária da Phillip Morris é criticada por especialistas

LUCIANA MIRANDA

Uma das maiores produtoras de cigarros do mundo, a Philip Morris International, lançou no fim de semana no País uma campanha publicitária surpreendente. Segundo os anúncios, adolescentes não devem fumar e, não importam os teores, cigarros prejudicam a saúde. Para fumantes preocupados com os efeitos nocivos do vício, a empresa recomenda que parem de fumar.

Para especialistas em tabagismo, a ação não passa de jogada de marketing, além de servir como defesa da empresa em processos judiciais.

"É uma forma de a empresa ficar na defensiva e dizer ao consumidor que a responsabilidade é dele", diz a cardiologista Jaqueline Issa, coordenadora do Ambulatório de Tratamento do Tabagismo do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas. "Mas não é a consciência que prende o fumante ao cigarro, é a dependência da nicotina." Uma dependência que se desenvolve depois de dois anos, no máximo.

Também para o psiquiatra André Malbergier, coordenador do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do HC, interesses mercadológicos ou de defesa própria devem estar por trás da ação da Philip Morris. "Em torno de 90% dos dependentes de cigarro começaram a fumar antes dos 19 anos", disse, referindo-se ao anúncio dirigido aos menores de idade. Quanto mais cedo, maior o risco de dependência.

Jovens como o técnico em segurança contra incêndios Gabriel dos Santos, de 21 anos, conhecem bem o que é dependência. "Comecei a fumar aos 16, por curiosidade, quando saía com a turma." Não parou mais. Mas se livrar do vício está em seus planos. Os dois maços diários foram reduzidos para um.

"Antes de fumar eu tinha disposição para o esporte; o cigarro tira o fôlego."

Como Gabriel, Paula Pinheiro, de 24 anos, começou a fumar cedo - aos 15. Ela fuma menos: um maço dá para dois dias. Consciente dos riscos do cigarro para a saúde, Paula ainda não pensa em parar. "É algo para o futuro."

De acordo com o diretor de Assuntos Corporativos da Philip Morris, Valter Brunner, o objetivo da campanha é informar a sociedade com responsabilidade. Além da propaganda em jornais e revistas, os maços de cigarro também ganharam um folder com as mesmas informações dos anúncios.

Ainda faz parte da campanha a distribuição de livretos para os 100 mil pontos-de-venda dos cigarros Philip Morris. A empresa, assim como a Kraft (indústria de alimentos), é controlada pelo grupo Altria.

A campanha não convenceu o chefe substituto da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional do Câncer (Inca), Rodrigo Rangel. "A indústria do cigarro vem se empenhando em mostrar responsabilidade social", disse. "Mas, se de fato estivesse preocupada, as peças publicitárias não seriam voltadas para jovens."

Foco - No Brasil, a publicidade de cigarro só é permitida nos pontos-de-venda. Nesses locais, disse Rangel, todos os cartazes espelham a preocupação dos fabricantes de cativar a atenção dos jovens. Rangel observou ainda que, no passado recente, a indústria veiculava slogans que aparentemente mostravam preocupação com os jovens. "Era algo como fumar é uma atitude adulta. Isso nada mais é do que incentivar adolescentes. O que eles mais desejam é se tornar adultos."

"Não podemos acreditar que uma indústria que fabrica um produto responsável pela morte de 50% de seus consumidores adultos tenha, de fato, responsabilidade social", diz Rangel. O fumo mata 5 milhões de pessoas por ano no mundo. No Brasil, são registradas anualmente 200 mil mortes por doenças relacionadas ao cigarro. (Colaborou Lígia Formenti)

anterior
 ¤ 
próxima
 ¤ 
índice
 ¤ 
capa
 ¤ 
  > formatar impressão   > enviar por e-mail   > fazer comentário